terça-feira, janeiro 06, 2009

Pesquisa genética tenta evitar crise do cacau

da "New Scientist"

É possível embrulhar numa caixa de presente um pecado mais delicioso do que um chocolate? Bom, ele não precisa ser um prazer que cause culpa --e não é por causa do acúmulo de evidências de que comê-lo pode ser bom para alguns aspectos de saúde.

Uma outra razão para saborear bombons é que quase todo o cacau do mundo cresce em fazendas pequenas em países pobres. Quando você compra chocolate, ajuda os agricultores a alimentar suas famílias. É um bom começo.

Thierry Gouegnon/Reuters
Trabalhador manipula sementes de caucau em fazenda na Costa do Marfim; doenças destroem um terço da colheita mundial por ano
Trabalhador manipula sementes de caucau em fazenda na Costa do Marfim; doenças destroem um terço da colheita mundial por ano

A notícia ruim para os "chocólatras" é que a produção de sua iguaria predileta corre o risco de sofrer um colapso. O chocolate é feito de sementes fermentadas e torradas do cacaueiro, planta do gênero Theobroma ("comida dos deuses", em grego).

Nos últimos anos, sua demanda mundial aumentou, mas doenças continuam a destruir cerca de um terço da colheita mundial todos os anos. E a situação pode piorar à medida que pragas do cacaueiro se espalham pelo mundo.

Para piorar, o cacau é natural de florestas tropicais e precisa de umidade, mas plantações têm sido cada vez mais atingidas por secas, que provavelmente ficarão mais frequentes com o aquecimento global.

A boa notícia é que a solução existe, pelo menos segundo a Mars, dona da marca M&M's, empresa que mais vende chocolate no mundo. Cientistas da companhia estão conduzindo agora um estudo sem precedentes sobre a genética do cacaueiro, e os resultados ficarão disponíveis de graça. Não é só generosidade --é impossível vender chocolate se ninguém planta cacau--, mas pode acabar sendo bom para todos.

Encruzilhada africana

Os agricultores só têm duas maneiras de conseguir acompanhar a demanda mundial: aumentar a área da plantio de cacaueiros ou melhorar sua produtividade por hectare. Como a maior parte do cacau é plantado em países pobres --70% sai da África, sobretudo de Gana e Costa do Marfim--, os investimentos para melhorar a planta têm sido muito esporádicos. As linhagens cultivadas são vulneráveis, e poucos agricultores têm dinheiro para fertilizantes ou para pesticidas.

"A produtividade do cacau permanece estagnada há 30 anos", diz Howard Shapiro, agrônomo-chefe da Mars. O resultado é que agricultores têm expandido plantações derrubando e queimando mata. Com isso, a terra ganha nutrientes para sustentar as árvores por algum tempo, mas depois os fazendeiros são obrigados a mudar para outras áreas. "Isso alimenta o desmatamento", diz Jim Gockowski, pesquisador da unidade de Gana do Instituto Internacional para Agricultura Tropical.

Júlio Cascardo/Folha Imagem
Ramos de cacaueiro contaminado pelo fungo vassoura-de-bruxa
Ramos de cacaueiro contaminado pelo fungo vassoura-de-bruxa

Linhagens mais produtivas podem ser a solução. Variedades que reagem melhor a fertilizantes poderiam aumentar o custo/benefício do insumo. A mudança para uma produção mais intensiva, dizem os especialistas, seria boa para os produtores e para as florestas. Mas o desmatamento não é o único problema.

Monoculturas de cacau são vulneráveis a doenças, e o cacau brasileiro foi dizimado na década de 1990 após o fungo vassoura-de-bruxa ter sido deliberadamente levado a algumas fazendas, por causa de disputas locais. Outra doença causada por um fungo, a monília, destruiu plantações na Colômbia e na Costa Rica.

A vassoura-de-bruxa e a monília não chegaram à África nem ao Sudeste Asiático, mas talvez seja só questão de tempo.

"Essas doenças vão se espalhar alguma hora", diz Dennis Garrity, chefe do Centro Agroflorestal Mundial, em Nairóbi (Quênia). Sem árvores resistentes, a maior cultura de exportação da África pode ser devastada em menos de três anos. É por isso que há uma necessidade urgente de estudos em genética. Podem existir cacaueiros selvagens que já tenham desenvolvido resistência a algumas doenças, mas onde?

Origens amazônicas

O registro mais antigo de consumo do cacau por humanos vem da América Central. Por muito tempo, achou-se que o cacaueiro tivesse surgido lá e que só existissem duas ou três variedades genéticas da planta. Esse mito, porém, foi demolido por Juan-Carlos Motamayor, do programa de pesquisa da Mars, sediado na divisão de Miami do USDA (Departamento de Agricultura dos EUA).

Sua equipe analisou o DNA de mais de 1.200 amostras de cacau coletadas por outros pesquisadores. A primeira descoberta foi que um quarto das amostras estava com classificação errada. Segundo o biólogo David Kuhn, do USDA, o problema é que as sementes de cacau não mantiveram a identidade, pois as variedades têm de ser preservadas como clones implantados em árvores, mais difíceis de organizar do que sementes numa gaveta.

Após excluir as amostras mal-classificadas, os pesquisadores descobriram que as restantes poderiam ser divididas em dez subgrupos genéticos distintos, em vez de três. A maior diversidade era originária do norte da Amazônia, com cada variedade ocupando um local delimitado aproximadamente pelos afluentes do rio Amazonas. Isso é uma evidência forte de que o cacaueiro surgiu ali, não na América Central.

O estudo também deu uma pista sobre onde genes de resistência podem ser encontrados, já que uma dessas variedades vem da mesma área em que o fungo da monília se originou.

O trabalho dos cientistas, afinal, mostrou que os agricultores têm em mãos uma diversidade inesperada. Mas isso foi só o começo. Em junho de 2008, a Mars, aliada ao USDA e à IBM, anunciou uma parceria público-privada para o sequenciamento completo do genoma do cacaueiro. O acesso aos dados do projeto será gratuito.

Cientistas do mundo todo já começaram a procurar cacaueiros mais produtivos e resistentes a secas e doenças. Uma vez que eles sejam identificados, a equipe de Kuhn pretende procurar trechos de DNA responsáveis por essas características. Isso poderá acelerar o desenvolvimento: agricultores poderão testar novas variedades assim que forem criadas.

Novos sabores

"Se conseguirmos maximizar o ganho do cacau, fazendeiros poderão eliminar dois terços de suas árvores de baixa produtividade e usar a terra para plantar fruta e madeira", diz Shapiro. Além de dar ao cacaueiro a sombra de que ele gosta, afirma Garrity, uma cultura extra daria a agricultores colheitas no ano todo. E caso tudo dê certo, a genética pode fazer mais do que salvar o cacau. "Agricultores podem usar marcadores de DNA para criar novos sabores de chocolate", diz Kuhn.

da Folha Online

Comentário

É importante que se tente salvar o cacaueiro da praga de que está sendo vítima porque eu como muitos outros consumidores do verdadeiro chocolate e não dos sucedâneos que alguns fabricantes de chocolate impingem, não abdicamos desta excelente bebida quente muito agradável que é o cacau.

1 comentário:

Anónimo disse...

E entretanto, descobriram também que a semente do cacau dá para fazer combustivel para os pópos... muito à frente este cacau!!!!!