terça-feira, agosto 25, 2009

O PSD teve sempre no seu horizonte temporal a intenção de privatizar os hospitais públicos

Segundo a sua líder a gratuitidade não deve beneficiar como o tem vindo a fazer os extractos sociais da população com mais recursos. Nada de mais falso neste argumento porquanto é sabido que os extractos sociais da população com mais recursos dispõem do sector privado e é a ele que recorrem para resolverem os seus problemas de saúde. Uns através dos seguros de saúde que lhes proporciona o acesso ao sector privado de saúde outros simplesmente porque têm capacidade financeira para o fazerem pagarem do seu próprio bolso. Num espaço de menos dum ano fiz dois internamentos no Hospital Egas Moniz, para a realização de duas grandes intervenções cirúrgicas que levaram cada umas delas a um internamento de oito dias. Os dezasseis dias de internamento no referido hospital, nas duas intervenções cirúrgicas a que fui submetido, proporcionaram-me, porque sempre gostei de estar atento ao funcionamento dos serviços para depois poder falar com alguma propriedade. A vigilância aos doentes, no pré e pós intervenções cirúrgicas, é efectuado por um corpo de enfermeiros que ao longo dos turnos mudam diversas vezes os soros quanto tal se justifica, injectam analgésicos e antibióticos para que nada de anormal se registe nos doentes internados, para além de medirem continuamente a tensão arterial e a temperatura. Porque tive sempre muita dificuldade em dormir no hospital acordava cedo e esse facto permitia-me verificar a quantidade enorme de caixas contendo embalagens de soro, antibiótico, analgésicos enfim uma diversidade de produtos farmacêuticos para serem ministrados aos doentes, cujo custo é inimaginável. Eu felizmente considero-me um privilegiado porque posso usufruir como qualquer outro cidadão do sector público de saúde e como a minha entidade patronal me proporciona há vários anos um seguro de saúde, também o sector privado. Conheço pois um e outro. No privado fiz duas pequenas intervenções cirúrgicas que apenas exigiram a hospitalização de um dia em cada um delas e depois de receber o extracto enviado pela seguradora fiquei conhecedor do seu custo. Ou seja essas duas pequenas intervenções cirúrgicas com internamento de apenas um dia cada uma delas custaram cerca de 2.500 €, agora imagine-se quando poderão ter custado estas duas grandes intervenções cirúrgicas realizadas no sector público, a custo zero para mim, por ser um doente oncológico. Obviamente que a intenção da líder do PSD não é acabar com a gratuitidade para os utentes dos SNS que possuem melhores recursos porque esses não usam o sector público ou se o fizerem é numa muito baixa percentagem. O que ela quer isso sim é acabar com a gratuitidade aos indigentes e daqueles que roçam essa condição, que, como me foi possível observar, por estes dois internamentos, andarão muito próximos dos 50% dos doentes internados para realizarem diversos tipos de cirurgias.Recomendo por isso cuidado aos enraivecidos com as políticas de Sócrates, poderem através da sua opção de voto no PSD, contribuírem para perderem esta fundamental regalia que é, através dos Hospitais Públicos, poderem a preços módicos resolverem os seus problemas de saúde através de pequenas, médias ou grandes intervenções cirúrgicas, como agora ainda lhes é proporcionado.

quarta-feira, agosto 05, 2009

Se bem vistas as coisas o princípio da presunção de inocência também de se pode aplicar a um presidiário

Se tivermos em conta os inúmeros erros judiciais e a condenação de inocentes, julgo que também poderemos alargar o princípio da presunção de inocência aos presidiários dado que segundo a direcção do PSD aos condenados em Tribunal de primeira instância e face aos recursos que podem ser interpostos até à última instância, esse principio pode ser aplicado. Qualquer dia até passam a propor nas suas listas militantes que estejam nessas condições desde que tenham a possibilidade de serem eleitos.

terça-feira, agosto 04, 2009

Por não poder estar mais de acordo com esta visão do escritor MIA COUTO, faço esta transcrição

E se Obama fosse africano?

Por Mia Couto

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles.Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.

Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.

Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.

Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: "E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.

E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?

1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.

2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.

3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.

4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).

5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas ? tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.

6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.

Inconclusivas conclusões

Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.

Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.

A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.

Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.

No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.

Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.