quinta-feira, março 23, 2006

Floresta deve encolher 40% até 2050, diz estudo
CLAUDIO ANGELO
da Folha de S.Paulo

Uma cifra assombra a Amazônia. Um estudo publicado
hoje prevê que 40% da floresta pode desaparecer em
2050 se nada for feito para conter o ciclo de destruição
imposto pelo avanço da fronteira agrícola. Pior, a política
de criação de áreas protegidas adotada hoje pelo governo
não basta para conter a tendência. É preciso fazer algo
muito mais complicado: cumprir a lei.

O número apocalíptico vem de uma simulação de
computador. É a mais detalhada já feita do futuro da
Amazônia, construída ao longo dos últimos anos por uma
equipe do Brasil e dos EUA. O grupo usou uma série de
dados históricos sobre tendências de desmatamento de
1997 a 2002, e conseguiu prever com precisão como a
destruição evoluiria nos dois anos seguintes.

"Para 2003 e 2004, o desmatamento caiu em cima da
curva do nosso pior cenário", disse à Folha Britaldo
Soares-Filho, do Centro de Sensoriamento Remoto da
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). Ele é um
dos principais arquitetos do novo modelo computacional,
disponível na internet (www.csr.ufmg.br/simamazonia) e
apresentado hoje num artigo científico na revista "Nature"
(www.nature.com).

Partindo da série histórica, o modelo apresenta dois futuros
possíveis para a floresta. No primeiro, em que tudo fica como
está em termos de acção do governo e do setor produtivo
("business as usual"), a área da maior floresta tropical do
mundo sofre uma redução drástica, de 5,4 milhões para 3,2
milhões de quilômetros quadrados em nove países.

Nesse cenário catastrófico, dois terços da cobertura florestal
de seis bacias hidrográficas amazônicas desaparecem.
A situação é particularmente dramática nas florestas secas
de Mato Grosso, palco da expansão recente da soja (perdem
76% da área), e nas florestas de babaçu do Maranhão
(perdem 97%). Quase uma centena de mamíferos tem seu
habitat reduzido em 40%.

As emissões de carbono correspondentes a tamanha perda
de floresta são de deixar qualquer industrial americano do
petróleo esfumaçando de inveja: são 32 bilhões de toneladas
do principal responsável pelo aquecimento global lançadas
na atmosfera em 2050. Isso equivale a quatro anos de
emissões mundiais.

Outro mundo é possível

A principal novidade do estudo, no entanto, é a inclusão do
chamado fator "governança" em um dos cenários do modelo.

Os cientistas ainda debatem o sentido da palavra. Mas
segundo o ecólogo Daniel Nepstad, do Ipam (Instituto de
Pesquisa Ambiental da Amazônia) e do Woode Hole
Research Center, dos EUA, ela consiste basicamente da
implementação de políticas públicas na Amazônia. A reserva
legal é respeitada pelos produtores, a pavimentação de
novas rodovias é feita segundo critérios de proteção
ambiental e o programa de criação de unidades de
conservação na floresta segue a toda.

"Simplesmente implementando a lei ambiental actual
seria possível evitar 1 milhão de quilômetros quadrados de
desmatamento" em 2050, afirma Nepstad, que juntamente
com Soares-Filho é o autor principal do estudo.

Isso considerando um limite de reserva legal (o quanto se
pode desmatar dentro de uma propriedade) de 50%, mais
baixo do que os 80% previstos pela lei. Mas para a lei ser
cumprida, diz o pesquisador, seriam necessárias pressões
de mercado --que Nepstad afirma existirem-- por carne e
soja ambientalmente corretas.

Pague para preservar

A economia de carbono no cenário de governança é de 17
bilhões de toneladas. "Todo o Protocolo de Kyoto [acordo
mundial contra as emissões de gases-estufa] prevê a
redução de 2 bilhões de toneladas", compara Nepstad.
"Cumprir a lei na Amazônia evita 17 bilhões. É uma
oportunidade gigantesca para o Brasil", diz.

Tanto Nepstad quanto Soares-Filho defendem que a
comunidade internacional banque essas emissões evitadas,
já que o Brasil estaria deixando de lucrar domesticamente
(ao reduzir a conversão de floresta em pasto e lavoura)
para prestar um serviço ao planeta (a estabilização do clima).

"A inclusão do conceito de governança é muito bem-vinda",
diz Gilberto Câmara, diretor do Inpe (Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais) e especialista em modelagem
ambiental na Amazônia. Ao mesmo tempo em que elogia o
estudo, Câmara afirma ter dúvidas sobre a tal "governança
privada". "Há uma grande disparidade dos atores sociais
na Amazônia. Rondônia tem um perfil, a Terra do Meio
tem outro."

Comentário

Perante este cenário catastrófico do maior pulmão mundial
que se encontra a ser destruído pela gula do homem as
gerações vindouras vão lamentar ter nascido, face à má
qualidade de vida que lhes vai ser proporcionada.

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