segunda-feira, novembro 28, 2005


Fotos de "Amazônia" são grito de alerta
EDER CHIODETTO
Colaboração para a Folha de S.Paulo




O fotógrafo Araquém Alcântara passou 30 anos de sua vida
evocando a beleza da criação, da natureza, dos ciclos da vida.
Ao lançar"Amazônia", seu 21º livro, amanhã no Museu da Casa
Brasileira, com a exposição "Bichos do Brasil", seu olhar para o
belo passou a integrar também a insensatez, a ganância e a
intolerância do ser humano diante da maior floresta tropical do
planeta.

Num momento em que bancos de areia tomam o lugar dos rios
amazônicos, apontando para um futuro estéril, em que um
ambientalista ateia fogo sobre o próprio corpo e morre em
protesto contra a instalação de usinas de álcool em pleno
Pantanal, e quando se constata que entre 2003 e 2004 foram
derrubados 26.140 km2 de mata na Amazônia, o equivalente
a 17 vezes o tamanho do Estado de São Paulo, percebemos a
urgência da questão e o motivo que leva um artista a alterar
o tom de seutrabalho.

Chamas avançam em reserva em Raposo do Sol
Tido como um dos maiores documentaristas ligado à defesa
do ambiente no Brasil, Alcântara, 54, se diz indignado: "Deixei
deser complacente com o ser humano. Sempre me pautei pela
máxima proustiana de que "a beleza é a verdade", mas agora
não dá mais. Estamos perdendo a guerra e só vemos
passividade nas acções governamentais e na sociedade como
um todo", diz.

O livro contou com a colaboração de oito especialistas, que
escreveram textos sobre os problemas enfrentados pela
floresta, como o professor Aziz Ab'Sáber, o médico e colunista
da Folha Drauzio Varella, entre outros.

Um uacari-branco, primata encontrado na reserva de
Mamirauá, no Amazonas, de pelagem branca e rosto
avermelhado, é a imagem da capa de "Amazônia". A incrível
cor de seu rosto soa como o reflexo da floresta em chamas,
assim como na foto da contracapa, em que uma pequena índia
zo'é tem o corpo tingido da mesma cor pelo urucum.

Tamanduá-mirim reage ao fotógrafo
Do uacari até a índia, o livro nos leva para dentro das matas,
dos rios e das casas às cachoeiras e ao habitat de bichos
inimagináveis nas suas formas e colorações. Tamanduás,
preguiças, onças, pavões, biguatingas, cobras, pacas e peixes
constroem uma fauna vibrante,com a qual o fotógrafo aprendeu
a se relacionar para extrair a beleza plástica dos movimentos
mais surpreendentes.

As inusitadas formações rochosas da Cidade dos Deuses, em
Alenquer, no Pará, convivem com árvores igualmente intrigantes
na forma como a arabá e o pau-mulato. Ao percorrer cerca de
100 mil km da Amazônia Legal a barco, de avião, de carro e a pé,
encontrou os últimos sete representantes da tribo dos índios
akunt'su. Como não podem se reproduzir por causa do parentesco,
estão fadados a desaparecerem por completo. Um símbolo
assustador.

Após mostrar os amazônidas em várias situações, desde a pesca
feita de variadas formas até celebrações como o bumba-meu-
boi, uma imagem aérea de troncos de árvores boiando no rio
Negro pontua o início das imagens que narram a destruição da
floresta. Caminhões que transportam ilegalmente toras de
árvores imensas, madeireiras e carvoarias que se multiplicam
rapidamente gerando microcidades sem infra-estrutura e o fogo,
muito fogo, que faz a mata arder para dar lugar ao pasto e à
plantação de soja.

O fogo que cria imagens ambíguas de extrema beleza plástica
ao crepitar diante das lentes de Alcântara guarda em si a lógica
irracional do homem contemporâneo. A imagem que encerra
essa seqüência tem tudo para se tornar um ícone de campanhas
ambientalistas no Brasil: um tamanduá-mirim, próximo à
rodovia Cuiabá-Santarém, se levanta em sinal de defesa ao
perceber a presença de Alcântara. Com os braços abertos feito
um guardião e os pêlos chamuscados pelo fogo, parece fazer um
último gesto em defesa da floresta. Valentia e impotência. A
imagem da agonia.

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